PARA REFLETIR

“Se você não pode ter o mundo a teus pés, lute para ter um grão de areia, deste mundo, em tuas mãos."

"Só não é quem nunca tentou ser.
O que importa não é ser e sim tentar ser, pra quem sabe um dia ser.
E se não conseguir ser, ser feliz com o que conseguiu ser, mesmo sem ser o que sonha ser"







segunda-feira, 21 de abril de 2014

HENRIQUE IV


Quantos anos são passados?

Não sei.

Trago viva na minha memória

Esta repugnante história:

Não conheci minha infância,

Não brinquei com boneca,

Fui feita e jogada como peteca.

Não sei se foi há muito tempo

Ou se foi ontem,

Mas trago a dor na lembrança.

Mal despontava no meu corpo de criança

Duas pequenas elevações no meu peito,

Que envergonhada escondia sem jeito.

Ainda assustada chorava sem saber

Porque meu corpo sangrava.

Não tinha minha mãe

Pra minhas lágrimas enxugar

E a verdade me contar.

Aquele que me pôs no mundo,

Que aprendi a detestar,

Só sabia me explorar.

Um dia, em troca de um pacote

Com algum dinheiro

Entregou-me a um caminhoneiro,

Conhecido por Zé Mineiro.

Aquele monstro sem coração

Obrigou-me a entrar no seu caminhão,

Caí na boléia quase sem sentidos,

Sem saber que meu corpo, pelo meu pai,

Fora vendido.

Como autêntico bicho do mato,

Sentada, encolhida no canto,

Assustada mal olhava pra estrada,

Não entendia nada.

Onde ele parava, me apertava

E me amedrontava.

Sempre chamando-me de filha.

Eu não entendia nada,

Estava muito revoltada.

Sem saber o que fazer,

Com medo do que pudesse acontecer,

Calada eu ficava.

Por dentro eu chorava,

Mas pra ele não demonstrava.

Minha mãe ensinou-me que pobre

Sofre sem chorar pra dele ninguém zombar.

Creio que já era madrugada

Quando entramos em uma fuleira pousada,

Dessas que ficam à beira da estrada.

Senti que ele estava muito assustado.

Sem demora levou-me para um quarto

Sujo e mal iluminado.

Ordenou que eu ficasse calada,

Fiquei ainda mais assustada

E muito envergonhada

Quando ele tirou sua roupa

Mandando que eu também ficasse pelada.

Ele entrou comigo no pequeno banheiro,

Abriu o chuveiro,

Esfregou meu corpo inteiro.

Ainda toda molhada, sem dizer nada,

Aquele animal selvagem levou-me pra cama.

Atordoada e calada, sem saber de nada

Por ele fui estuprada.

Com minha virgindade dilacerada,

Minhas coxas arroxeadas,

De tanto que foram forçadas

Fiquei ali, acho que desmaiada.

Pela manhã quando estava acordada

Vi que fora por ele abandonada

Na beira da longa estrada,

Estrada de uma nova vida

Que pra mim começava.

Fui socorrida por muitos caminhoneiros,

Que matavam a minha fome de comida

Pra que eu matasse a fome deles

Na boléia escondida, toda despida.

Todos eles me faziam lembrar

Do Zé Mineiro.

Hoje sou esta mulher acabada,

Perdida no tempo e no espaço.

Pela sociedade estou marginalizada,

Carrego no meu coração

Uma doença que jamais será curada.

Trago comigo o Henrique IV,

Meu fiel e inseparável companheiro.

Não sei se é filho do Zé mineiro

Ou de qualquer outro caminhoneiro.

 

Poema extraído do livro

Rosa Vermelha

 

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